segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O Sínodo ''escondido'': até o Santo Ofício pede transparência

Sínodo livre e informação bloqueada. O paradoxo dessa sessão está suspenso entre esses dois polos. De um lado, por vontade deFrancisco, não existem mais temas tabus: inseminação artificial, segundas núpcias, contracepção, uniões de fato, casais gays. De outro, a transparência foi fortemente limitada pela decisão vaticana de não dar à imprensa – como se fez por mais de 40 anos – as sínteses das intervenções de bispos e cardeais.
Durante uma semana, as coletivas de imprensa dos porta-vozes sinodais se desenvolveram em uma atmosfera surreal: frases e conceitos relatados sem indicar quem os tinha pronunciado, de qual nação, com que representatividade do orador. Se isso tivesse acontecido em tempos de Wojtyla ou Ratzinger, teriam se levantado gritos de indignação. Agora, a mídia engoliu a pílula.
Quem denunciou o bloqueio foi o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Müller: "As intervenções deveriam ser publicadas como no passado", defendeu. Acrescentando que "todos os cristãos têm o direito de ser informados sobre as intervenções dos bispos".
O paradoxo pelo qual o titular do ex-Santo Ofício pede para a publicidade da discussão reflete o desconforto do lado conservador, que se sente envolvido em um debate que formalmente exalta a "doutrina de sempre", mas lentamente se move em direção a "novas abordagens pastorais".
Duzentos e quarenta intervenções, das quais emergiram duas correntes, como resume o porta-voz papal, padreLombardi: "Uma linha de fidelidade à palavra do Senhor, sem compromissos, e uma linha de fidelidade à palavra do Senhor e de busca de um discernimento para as situações individuais".
Tradução: há um partido que defende a doutrina sem "se" e sem "mas", e um partido intencionado a encontrar soluções para as pessoas de carne e osso.
Um eclesiástico, assíduo frequentador de sínodos há anos, comenta: "A linha de Francisco ganha terreno". O cardealSchönborn, de Viena, expressou isso em uma intervenção muito seguida, falando da estigmatização dos casais divorciados e dos seus filhos, e propondo um "caminho de penitência que leve à reconciliação e a uma admissão à final". Onde "admissão" evidentemente significa a concessão da Eucaristia.
Muitos padres sinodais cutucaram a área mais lenta para se decidir, trazendo exemplos históricos. Antes do Concílio Vaticano II – explicou um bispo – a liberdade religiosa era impensável, em nome da "salvaguarda da Verdade". O Concílio, no entanto, soube proteger a verdade, reconhecendo ao mesmo tempo a liberdade de consciência e de escolha religiosa.
O Sínodo atual deve saber encontrar essa coragem de abrir novos caminhos. Como destacou o bispo argentino Víctor Fernández, houve um tempo em que a Igreja aceitava a escravidão; depois, houve um desenvolvimento histórico e agora já não é mais assim.
Muito espaço, nessa primeira fase de intervenções, foi dedicado à linguagem. Falar de casais "em situação de pecado" ou de homossexuais como pessoas afetadas por uma "desordem moral intrínseca" – foi observado – não traz as pessoas para a Igreja. E quando alguns oradores pedem que se dedique cuidados aos filhos de uniões gays, isso significa que a hierarquia reconhece que não pode mais demonizar os parceiros homossexuais.
Seria impensável preparar para a Comunhão as crianças que vivem nesse marco familiar e, ao mesmo tempo, agredir verbalmente o pai e o seu companheiro (ou a mãe e a sua parceira). São todas mudanças desejadas há anos por movimentos como "Nós Somos Igreja" ou pelas coordenações cristãs gays (LGBT) grupos que realizaram congressos em Roma nesses dias.
Mas é preciso tempo para a reviravolta. Agora, trabalham os grupos linguísticos; depois, haverá um documento final e, em um ano, o "Sínodo das propostas". Francisco preparou tudo segundo uma estratégia para criar um amplo consenso dentro da hierarquia.
"Ter tempo para pensar e repensar em tranquilidade", resume o seu amigo de Buenos Aires, Dom Fernandez. E assim será.

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