quinta-feira, 6 de março de 2014

Quaresma e Fraternidade

Na quarta-feira de Cinzas começa o importante tempo litúrgico da Quaresma, no qual a Igreja espera que nos unamos mais intimamente ao Mistério Pascal de Jesus Cristo, mistério que inclui sua Paixão, morte e gloriosa Ressurreição. A Campanha da Fraternidade, que acontece na Quaresma, tem como finalidade unir as exigências da conversão, da oração e da penitência com algum projeto social, na intenção de renovar a vida da Igreja e ajudar a transformar a sociedade, a partir de temas específicos, tratados sob a visão cristã, convocando os cristãos a uma maior participação nos sofrimentos de Cristo, vendo-o na pessoa do próximo, especialmente dos mais necessitados da nossa ajuda.
Esse ano, com o tema ‘Fraternidade e Tráfico Humano’ e o lema: É para a liberdade que Cristo nos libertou (Gl 5,1), a Igreja Católica, com coragem profética, propõe que a nação brasileira encare a chaga social do tráfico de pessoas. Ligado ao tráfico de armas e de drogas, é um crime pelo qual pessoas são aliciadas e traficadas para a exploração no trabalho, o comércio de extração de órgãos e a exploração sexual. 
O tráfico humano está presente em todo o mundo e nós cristãos não podemos ficar insensíveis a essa triste realidade. Pessoas são compradas e vendidas por dinheiro, para o prazer, para extração de órgãos ou como instrumento de corrupção. Segundo as Nações Unidas, de 800 mil a 2, 4 milhões de pessoas vivem traficadas hoje no mundo. E o Brasil não fica isento dessas escravidões. Pensemos especialmente nas crianças aliciadas e escravizadas como soldados mirins a serviço do tráfico de drogas.
“O comércio de pessoas humanas constitui uma chocante ofensa contra a dignidade humana e uma grave violação dos direitos humanos fundamentais. Já o Concílio Vaticano II apontou ‘a prostituição, o mercado de mulheres e jovens e também as condições degradantes de trabalho, que reduzem os operários a meros instrumentos de lucros, sem respeitar-lhes a personalidade livre e responsável’ como ‘infâmias’ que ‘envenenam os que as cometem e constituem ‘uma suprema desonra ao Criador’ (GS 27)” (João Paulo II).
“Insisto que o tráfico de pessoas é uma atividade ignóbil, uma vergonha para as nossas sociedades, que se dizem civilizadas! Exploradores e clientes de todos os níveis deveriam fazer um exame sério de consciência diante de si mesmo e perante Deus! Hoje a Igreja renova o seu apelo vigoroso a fim de que sejam sempre salvaguardadas a dignidade e a centralidade de cada pessoa, no respeito pelos seus direitos fundamentais, como ressalta a sua doutrina social... Num mundo em que se fala muito de direitos, quantas vezes é verdadeiramente espezinhada a dignidade humana! Num mundo onde se fala tanto de direitos, parece que o único que os tem é o dinheiro...” (Papa Francisco).
Presa fácil desse aliciamento são os mais pobres, mulheres, crianças, que vêem em certas propostas atraentes uma possibilidade de vencer, com melhores condições de vida em outras cidades ou países. As famílias precisam estar atentas a possíveis e sutis aliciamentos.
A Igreja propõe agir em três direções: prevenção, assistência às vítimas e incidência política. Atua na conscientização e no acompanhamento das vítimas, ajudando-as a superar traumas, como fazem a pastoral da mulher marginalizada, no auxílio às vítimas da exploração sexual, e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), no apoio às vítimas da migração para o corte da cana e outras situações que se configuram como trabalho escravo. O recrutamento ao trabalho degradante é feito por intermediários (‘gatos’) de patrões invisíveis.
A Campanha da Fraternidade quer contribuir, à luz da fé cristã, para que a sociedade brasileira, protegida por leis mais rígidas e controle eficaz por parte dos órgãos públicos, possa identificar a incidência do tráfico humano e não se omitir diante desse silencioso e lucrativo delito que fere violentamente a dignidade da pessoa humana.
Ilhéus, 5 de março de 2014
Dom Mauro Montagnoli CSS
Bispo diocesano de Ilhéus



Nenhum comentário:

Postar um comentário