segunda-feira, 31 de março de 2014

Cabrucas no sul da Bahia evitam a emissão de 43,5 milhões de toneladas de carbono

Fruto da colaboração com vários pesquisadores que têm se dedicado a inventariar a biodiversidade das florestas no sul da Bahia, artigo retrata a contribuição das florestas nativas e plantações de cacau para o estoque de carbono desta região.
Conservar o “capital natural” pode ser um bom negócio. É o que demonstra o artigo “Contribution of agroforests to landscape carbon storage" (Contribuição de agroflorestas para armazenamento de carbono na paisagem), publicado em novembro do ano passado, na revista internacional dedicada à Ciência, Engenharia, Sócio-Econômica e respostas políticas às mudanças ambientais, "Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change”  (http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs11027-013-9530-7).  A pesquisa dos professores Deborah Faria, Camila Cassano e André Amorim, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC, e Götz Schroth, Lucio C. Bede, Artur O. Paiva, Eduardo Mariano-Neto, Adriana M. Z. Martini, Regina H. R. Sambuichi e Renato N. Lôbo retrata a contribuição das florestas nativas e plantações de cacau sob árvores de sombra (cabruca) para armazenamento do estoque de carbono na região do sul da Bahia.
No total, estima-se que toda cobertura florestal da região retenha 89 milhões de toneladas de carbono acima do solo. Porém esta cobertura florestal é composta por diferentes fisionomias, que incluem tanto florestas nativas em diferentes estágios de sucessão e perturbação, quanto áreas de cultivo sombreado de cacau. Na realidade estas agroflorestas de cacau representam quase metade da cobertura florestal existente (48%), porém contribuem com a maior parte (59%) do carbono estocado na região, com destaque para as plantações de cacau sob o cultivo tradicional da cabruca (que estocam sozinhas 51% do carbono total na região, ou 45,3 milhões de toneladas. Entre as florestas remanescentes, que juntas cobrem 52% da área florestada da região, as florestas maduras e perturbadas estocam 32% do carbono regional, já as florestas em estágios iniciais de regeneração, as capoeiras, apenas 9%. Tanto em florestas nativas como em plantações de cacau a maior parte do carbono encontra-se estocada nas árvores grandes. 
E é ai que entra outra importante implicação deste trabalho. De acordo com a professora Deborah Faria, "em busca de um aumento de produtividade para o cacau da região, o processo de intensificação da lavoura tem sido feito através da retirada de parte das árvores sombreadoras dos cacauais para permitir um maior adensamento dos cacaueiros e menos sombreamento. Neste raleamento das cabrucas são retiradas também as árvores grandes. A partir da amostragem de árvores em cacauais pouco sombreados, estimamos que o atual manejo de intensificação da lavoura resulta em uma perda média por hectare de quase metade do carbono estocado em uma cabruca. Uma implicação da continuidade deste processo é que, se todas as cabrucas fossem intensificadas, aproximadamente 21 milhões de toneladas de carbono seriam jogadas na atmosfera. Isso equivale a cerca de 75% do carbono estocado hoje nas florestas nativas da região. No entanto, acreditamos que se o processo de intensificação puder ser feito de maneira mais flexível, através da remoção seletiva de árvores menores e manutenção das de maior porte, resultará em menor perda do carbono estocado na região cacaueira."
O grupo ligado a esta pesquisa vem mostrando ao longo dos anos a contribuição das plantações tradicionais para a manutenção da biodiversidade regional. Agora este estudo ressalta a significativa importância da lavoura cacaueira para a manutenção deste serviço ambiental específico, servindo de base para a valoração desta região. Embora o cenário de intensificação da lavoura aponte para uma perda significativa desta capacidade de estoque regional de carbono é possível repensar este procedimento no sentido de garantir, por exemplo, a manutenção da amostra de árvores grandes nos cacauais. 
"Sugerimos, portanto, que estas agroflorestas possam ser incluídas na discussão dos REDD+(“Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal”, e o sinal + indica a inclusão do papel da conservação, do manejo sustentável e do aumento de estoques de carbono nas florestas), sendo elegíveis para receber recursos oriundos da aplicação destes incentivos, além de outras políticas de compensação financeira discutidas em escalas mais locais, como o pagamento de serviços ambientais (PSA), a exemplo do que já é feito para a água em outros estados." explica a professora Deborah Faria.

Ativos ambientais
Na opinião do presidente da Câmara Setorial Federal do Cacau e Vice-presidente  da Faeb, Guilherme Castro Moura: "Encontrar um modelo que valorize a vocação conservacionista da Cabruca, através do pagamento dos serviços ambientais prestados, e possibilite o desenvolvimento da cultura do cacau a níveis de produtividades de mercado é o desafio a ser superado. A sociedade regional deve buscar esse modelo e transformá-lo em política pública, criando um novo marco regulatório que garantirá,  de fato, a sustentabilidade da região. Qualquer estudo ou iniciativa nesse sentido é sempre muito bem vindo.”

Pagamento por Serviços Ambientais
Os PSA são mecanismos que remuneram ou recompensam quem protege a Natureza. É uma forma de “precificar” os bens e serviços ambientais e estimular a conservação, atribuindo-lhes valor e constituindo mercado para a troca de créditos de carbono, conservação de recursos hídricos, criação de impostos ecológicos, exploração sustentável de florestas, uso sustentável da biodiversidade e para o ecoturismo. 
Deve pagar quem usufrui do mesmo, ou seja, toda a sociedade. O Governo, as ONGs e até mesmo as empresas privadas, o que já ocorre. Para que o PSA tenha sentido, a preservação do meio ambiente tem de ser mais lucrativa do que sua destruição. Ou seja, os ganhos auferidos pelo prestador de serviços ecológicos têm de ser mais significativos do que aqueles que seriam potencialmente obtidos em outras atividades econômicas.

Nota: A sigla REDD significa “Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal”, e o sinal + indica a inclusão do “papel da conservação, do manejo sustentável e do aumento de estoques de carbono nas florestas”. Trata-se de uma estratégia de compensação financeira que está sendo discutida no âmbito da convenção de Mudanças Climáticas. A idéia seria compensar (pagar) para que países em desenvolvimento evitem o desmatamento e a degradação das florestas, através de investimentos em desenvolvimento sustentável e atividades com baixa pegada ecológica (ex: emissão baixa de carbono no processo de produção). Este mecanismo REDD+ para compensação tem previsão para entrar em vigor em 2020. 
 RESUMO:
Informações técnicas do estudo:
· Toda cobertura florestal da região sul da Bahia estoca 89 milhões de toneladas de carbono acima do solo.
· As agroflorestas de cacau cobrem quase a metade da área mas contribuem com a maior parte (59%) do carbono estocado.
· Sozinhas, as cabrucas tradicionais estocam 51% do carbono da região, o que equivale a 45,3 milhões de toneladas
· A maior parte do carbono em uma floresta ou plantação de cacau encontra-se estocada nas árvores de grande porte.
· Hoje, uma das práticas para aumentar a produtividade do cacau é a retirada de árvores para promover adensamento dos cacaueiros e menor sombra, o que leva a uma perda de quase metade do carbono estocado por hectare em uma cabruca tradicional.
· Se todas as cabrucas fossem intensificadas, a região liberaria 21 milhões de toneladas de carbono, o que equivale a 2/3 do estoque total nas florestas
 Implicações práticas do estudo:
1.                      Propõe a remoção seletiva das árvores menores e manutenção das grandes árvores nas cabrucas durante o processo de sombreamento como forma de minimizar as emissões de carbono.
2.                      A cabruca é reconhecida pelas pesquisas como manejo que abriga biodiversidade, agora mostramos que também mantém um importante serviço ambiental: o carbono.
3.                      Este serviço pode e deve ser valorado: existem mercados específicos para isso.
4.                      A Bahia deveria propor a inclusão das cabrucas como elegíveis a receber os recursos do REDD+(*) e PSA.

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