quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Leilão de Libra: “Brasil perderá um trilhão e meio de reais”

Entrevista especial com José Maria. Economista graduado pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro. Atualmente é membro do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro — Sindipetro-RJ

“Tenho algumas hipóteses para compreender o comportamento do governo brasileiro em relação ao leilão de Libra: seria uma falta de compromisso com o que está aprovado em lei; seria para fazer caixa, já que o governo está com dívidas internas e externas?”, questiona o economista.
O cancelamento do leilão de Libra “depende única e exclusivamente da presidente Dilma, do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e da Agência Nacional de Petróleo — ANP”, diz José Maria, membro do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro — Sindipetro-RJ, à IHU On-Line, em entrevista concedida por telefone.
Segundo ele, essa “é a primeira vez que a Petrobras irá colocar a leilão uma área descoberta por ela, a qual está, em parte, em plena produção”.
Crítico à insistência do governo brasileiro em realizar oleilão de Libra depois das espionagens feitas à Petrobras pela Agência de Segurança Nacional — NSA dos Estados Unidos, o economista lembra que, à época da campanha presidencial, “em diálogo com seu oponente, Dilma disse que o pré-sal não seria submetido a qualquer tipo de apreço, leilão, entrega, enfim. Mas o que se vê agora é o contrário, de modo que esse discurso serviu para a presidente ser eleita”.
Na entrevista a seguir, José Maria também questiona o modelo de contrato adotado para esse leilão e a postura daPetrobras diante da exploração do pré-sal. “Não dá para entender como, no primeiro semestre, ela tem um lucro líquido de 21 bilhões de reais e continua vendendo ativos, porque, segunda ela, tem que pelo menos fazer caixa, fazer frente realmente no seu plano estratégico. (...) Eu tenho debatido na mesa de negociação com a própria direção da empresa, a qual diz que lava as mãos, que nada tem a ver com os leilões, porque eles são única e exclusivamente de competência da presidente Dilma”..

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais são as polêmicas em torno do Leilão de Libra, previsto para outubro? Por que movimentos sociais e instituições ligadas ao setor petroleiro estão pedindo o cancelamento do leilão?

José Maria – Não só estão pedindo o cancelamento do leilão, mas estão entrando na Justiça com vários processos. O próprio Sindipetro-RJ já entrou com três liminares pedindo o cancelamento do leilão, ou seja, da entrega do patrimônio brasileiro. Os movimentos sindicais têm se reunido durante toda a semana. Ontem (17-09-2013) ficamos reunidos até às 21h e hoje (18-09-2013) faremos, a partir das 18h, em frente ao consulado norte-americano no Rio de Janeiro, uma manifestação de protesto em relação à maneira como os EUA agiram perante a nação brasileira através das escutas telefônicas.

Nossa contestação é para mostrar o quanto esse leilão é prejudicial à nação brasileira. É a primeira vez que aPetrobras colocará a leilão uma área descoberta por ela, a qual está, em parte, em plena produção, ou seja, a estatal dará um cartão premiado para quem concorrer ao leilão. Esse poço está estimado em 12 bilhões de reais, representando 25%, ou seja, um quarto da riqueza do subsolo. Então, ele irá valorizar para quase 50 bilhões de reservas de petróleo. É uma entrega maligna por parte do governo, que não está ouvindo os anseios da sociedade.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a postura do Estado de manter o leilão de Libra depois da espionagem da Petrobras pela Agência de Segurança Nacional — NSA dos Estados Unidos?

José Maria – O cancelamento desse leilão só depende única e exclusivamente da presidente Dilma, do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e da Agência Nacional de Petróleo — ANP. Mas o fato é que na campanha presidencial, em diálogo com seu oponente, Dilma disse que o pré-sal não seria submetido a qualquer tipo de apreço, leilão, entrega, enfim. Mas o que se vê agora é o contrário, de modo que esse discurso serviu para a presidente ser eleita.

IHU On-Line - Quais são os jogos de força nessa disputa? A quem interessa o leilão de Libra?

José Maria – São muitos indícios que podem ser abordados nessa questão, mas gostaria de salientar que o governo atual já leiloou muito mais blocos de petróleo do que o governo Fernando Henrique Cardoso, que abriu essas comportas.

Tenho algumas hipóteses para compreender o comportamento do governo brasileiro em relação ao leilão de Libra: seria uma falta de compromisso com o que está aprovado em lei; seria para fazer caixa, já que o governo está com dívidas internas e externas. Porém, há de se convir, caso você concorde com a segunda hipótese, que o país teria, só do pré-sal, uma reserva em dólar em torno de um trilhão e meio, o qual seria suficiente para que a nação brasileira não dependesse mais de ninguém nos últimos 50 anos. Fica difícil entender aonde a dona Dilma quer chegar.

IHU On-Line - Como avalia o contrato de partilha da produção anunciado para este leilão?

José Maria – Na minha avaliação, o Brasil deveria copiar o modelo aplicado em outros países, como na Ásia, onde é possível ter uma participação maior. Hoje a Petrobras pode participar com o mínimo de 30%, mas pode chegar a mais. Mas é uma empresa que está procurando se descapitalizar, praticamente vendendo ativos e, segundo ela, dando com o caixa baixo. E não dá para entender a própria Petrobras: como ela, no primeiro semestre, tem um lucro líquido de 21 bilhões de reais e continua vendendo ativos, porque, segundo ela, tem que pelo menos fazer caixa, fazer frente realmente no seu plano estratégico. Então, são situações difíceis. Eu tenho debatido na mesa de negociação com a própria direção da empresa, a qual diz que lava as mãos, que nada tem a ver com os leilões, porque eles são única e exclusivamente de competência da presidente Dilma.

IHU On-Line - A Petrobras tem condições tecnológicas de explorar o campo de Libra sozinha?

José Maria – Sem dúvida. Ela hoje já explora! Não é que ela seja absoluta nessa tecnologia, mas foi uma das primeiras empresas a ter a tecnologia de perfurar metros de profundidade onde hoje se encontra o pré-sal. Ela produz atualmente uma base de 300 mil barris de petróleo no Campo de Tupi, e se Deus quiser, em 2016, no Campo de Baleia, entrará em produção a plataforma P74, posteriormente a 75, 76, 77, previstas até o ano 2017.

IHU On-Line - Qual o potencial energético e as peculiaridades do campo de Libra? Segundo dados da Federação Única dos Petroleiros, sozinho, o campo de Libra equivale a mais de 80% de todas as reservas provadas da Petrobras, descobertas ao longo de seus 60 anos de atuação. O que isso significa?

José Maria – Exatamente! É justamente isso. Para você ter a dimensão do que isso significa, num leilão como este está previsto um bônus de 12 milhões de reais para quem quiser concorrer. Nos outros leilões, as empresas participavam sem saber se tinham ou não petróleo. Nesse leilão de Libra a negociação é diferente. Quem entrar no leilão já está sabendo que terá petróleo.

Com essa espionagem que aconteceu recentemente na Petrobras e no governo federal, as empresas já estão municiadas, já estão sabendo de todos os protocolos que realmente existem sobre esse poço. Nesse leilão, o Brasil perderá um trilhão e meio de reais. As empresas que receberem as concessões poderão explorar o petróleo por 30 anos e, depois desse período, levarão toda essa reserva de petróleo para outro país.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

José Maria – Estamos comparando esse momento com as Diretas Já dos caras pintadas, na época do Collor, e com as recentes mobilizações nacionais. O Sindipetro-RJ é o pioneiro nessa avalanche de esclarecer o povo falando sobre a importância do pré-sal. Infelizmente a população está muito aquém desse debate. Basta perguntar para qualquer pessoa dos grandes centros se elas sabem o que significa o leilão de Libra. É capaz de as pessoas balançarem a cabeça e dizerem que é a moeda inglesa.

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