IGOR GIELOW (Folha de São Paulo) - O enterro do plebiscito para
forçar uma reforma política,anunciado agora há pouco, é uma tentativa do
governo em evitar o pior: o descontrole total de sua base parlamentar, que já
insinuou abrir múltiplas caixas de Pandora desde que o Planalto deu sua
resposta aos protestos nas ruas brasileiras.
Em menos de duas semanas, a articulação política de Dilma Rousseff
passou da ousadia à humilhação. Tudo começou na segunda-feira passada, quando a
presidente anunciou que proporia um plebiscito visando formar uma constituinte
exclusiva para a reforma política.
A ideia durou menos de 24 horas, basicamente porque esqueceram de
consultar os constitucionalistas sobre sua legalidade. E o vice-presidente
Michel Temer (PMDB-SP) é um deles, e dos respeitados.
Ainda assim, o governo insistiu na ideia do plebiscito. Fazia sentido:
os protestos de junho passam por uma crise de representatividade.
Logo, parecia lógico dar ao povo algum instrumento de inserção no
processo político --ainda que a consulta prévia pareça incompatível com uma
discussão complexa como a da reforma, e que ela era a preocupação de apenas 1%
dos manifestantes sondados pelo Datafolha em um dos atos em São Paulo.
O problema então foi tentar passar o caso ao Congresso, que ficou com a
batata quente. Todos na base aliada sorriram em público e disseram que o
plebiscito era uma ótima ideia. A oposição disse que um referendo, ou seja, uma
consulta posterior, fazia mais sentido.
Nos bastidores, o que houve foi a reação ao atropelamento do Congresso.
Aos poucos, referendo virou discurso na base também. Os caciques do PMDB que
mandam no Congresso, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Renan Calheiros
(PMDB-AL) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ) trataram de preparar o velório do
plebiscito e a desengavetar projetos relativos à reforma política.
Até no PT a resistência cresceu, ainda que a mensagem de Dilma com as
sugestões de perguntas do plebiscito emulasse o que Luiz Inácio Lula da Silva
sempre quis em termos de reforma política.
Enquanto isso, na sua versão de resposta às ruas, o Congresso passou a
aprovar com fúria legislativa quase tudo o que lhe dava na cabeça. Esse
descontrole é perigosíssimo para o governo, seja por populismos que destruam
ainda mais as portas dos cofres públicos, seja por ideias que não lhe
interessam que apareçam, como discutir o fim da reeleição.
Atuando agora como bombeiros do incêndio iniciado pelo Planalto, Temer e
o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) trataram de encenar hoje o funeral do
plebiscito com alguma dignidade.
Ao analisar o tombo que os protestos deram na popularidade de Dilma, marqueteiro
João Santana apontava a aprovação ao plebiscito (68%, segundo o Datafolha) como
uma "porta de saída" para a crise.
Agora, com o plebiscito adiado para o ano que vem ou para as calendas
gregas, uma vez que parece inevitável que alguma reforma política ocorra nos
ritos regulares do Congresso, cabe perguntar qual "porta" resta ao
Planalto. Especialmente se as ruas, que acalmaram após o fim da Copa das
Confederações, resolverem se mexer de novo.
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