terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Adélia Pinheiro: 'O grande papel da Uesc é o desenvolvimento e a socialização do conhecimento'

JORNAL BAHIAONLINE - A mulher mais poderosa do sul da Bahia carrega consigo o estilo discreto. Fala pausadamente e dificilmente aumenta o tom de voz ou a velocidade do gestual. Nem mesmo durante os grandes embates vivenciados nas últimas semanas e que resultaram em uma significativa vitória sobre o seu adversário - 68 por cento dos votos válidos - ela saiu da linha. Para a nova reitora eleita da Uesc, é preciso saber separar o estilo doce que demonstra em cada gesto, do jeito firme que precisará apresentar nos próximos quatro anos para administrar um dos maiores orçamentos da Bahia e transformar a Universidade Estadual de Santa Cruz em uma instituição de excelência, como pretende.
Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro é graduada em Medicina pela UFBA, com residência em Medicina Social pelo Departamento de Medicina Preventiva da UFBA, Mestre em Saúde Comunitária pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFBA e Doutora em Saúde Pública pela USP, é professora adjunta do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Santa Cruz, desde 1990, e atual vice-reitora. Toma posse no início de 2012, cercada de grandes desafios.
Nesta entrevista exclusiva concedida ao editor do Jornal Bahia Online, jornalista Maurício Maron, Ádélia Pinheiro fala que ainda há muito a fazer na Uesc, reconhece que a instituição precisa estar mais próxima da comunidade regional e revela: vai aprofundar a participação e a integração da Uesc com os movimentos sociais, com a sociedade civil organizada e no fomento às discussão e reflexões das grandes temáticas regionais.
A entrevista, a primeira concedida a um site de comunicação do sul da Bahia, depois de eleita, está imperdível. Confira.

Para começar, gostaria que a senhora avaliasse como foi que se deu o processo eleitoral que resultou em sua vitória para comandar a Uesc nos próximos quatro anos.
O processo eleitoral, de acordo com o calendário do Consul (Conselho Superior), oficialmente ocorreu no período de 8 a 26 de novembro. Mas desde agosto quando foi aprovado o calendário eleitoral, que eu, o professor Evandro (vice) e o grupo formado por professores, estudantes e funcionários,  passamos a nos reunir semanalmente no planejamento da campanha, entendendo que a campanha é um período muito curto e muito intenso, um período que tínhamos para apresentar a comunidade acadêmica as nossas propostas para a gestão e que tínhamos, como é próprio de uma universidade, que participar de todo o debate democrático em torno da Uesc, onde ela está e de que forma ela se projeta para o futuro. Foi  um processo alegre, limpo e livre.
Já recuperada?
Foram três semanas de debates, conversas, diálogos nas salas e no auditório. Isso foi muito bom porque, de certa forma, validou a proposta de gestão e nos colocou claramente que a comunidade acadêmica universitária tem confiança no plano de gestão que apresentamos. Ter chegado ao final da eleição com 68 por cento dos votos válidos foi, para nós, o reconhecimento do trabalho realizado, mas também a confiança que reunimos nas condições que colocamos para enfrentar os novos desafios da universidade.
Que universidade a senhora encontra para administrar a partir de 2012?
Temos uma realidade que é absolutamente diferente do que tínhamos há quatro anos. Fazendo a análise do contexto interno da universidade, são 33 cursos de graduação presenciais, 4 cursos implantados este ano, que têm uma demanda ao longo do processo de implantação de uma estrutura física. Apesar da ampliação da estrutura física da universidade, ela precisa ser continuada. É necessário que a gente pense para o futuro da Uesc que a estrutura física não está concluída. Precisa continuar para exatamente dar o fundamento para que as atividades se realizem. Por outro lado, os 33 cursos que temos, o número de vagas oferecidos à comunidade é insuficiente para atender tanto em diversidade de oportunidade quanto em quantitativo. A universidade precisa pensar isso. A nossa população de referência é composta por dois milhões de pessoas e a proporção de jovens de 19 a 24 anos no ensino superior é baixa, como é baixa em todo o Brasil. Temos responsabilidades quanto a isso, assumindo o papel de uma instituição social, que tem a missão de colaborar com o desenvolvimento das pessoas e da região.
"Ter chegado ao final da eleição com 68 por cento dos votos válidos foi, para nós, o reconhecimento do trabalho realizado, mas também a confiança que reunimos nas condições que colocamos para enfrentar os novos desafios da universidade."
A senhora só falou nas graduações...
... Pós-graduações, mestrados e doutorados, temos 14 cursos. Mas também precisamos ampliar isso. Principalmente por que os 14 têm uma concentração na área de biológicas, exatas e agrárias. É necessário que sejam ampliados para outras áreas do conhecimento. Ou seja: precisamos investir na simetria em direção das demais áreas do conhecimento. Temos cursos bem avaliados na área de doutorado e pós-graduação, mas devemos caminhar para que todos os nossos cursos tenham, no mínimo, um conceito 4. Isso ainda não é uma realidade.
Mas esse não é um problema apenas da Pós. Na Graduação essas diferenças também são bastante evidentes.
No contexto interno essa assimetria também ocorre na graduação. Medicina, Direito, Química são cursos que se colocam muito bem no contexto nacional de avaliação externo. Mas precisamos investir estrategicamente – e cada curso com uma forma – para nos credenciarmos a um patamar de excelência externa, com avaliação de 4 a 5 que nem todos os cursos têm. No contexto externo temos hoje em nossa região várias questões que se modificaram ou estão se modificando rapidamente. A existência hoje de três instituições públicas de ensino superior no território mediato modifica completamente o nosso caminho.  Em 20 anos muito fizemos. Mas estávamos sozinhos enquanto instituição pública. Hoje isso não é mais uma realidade. Então é necessário desenvolver os mecanismos de diáologo e interlocução com estas outras instituições, sempre no sentido de aumentar a potencialidade de cada uma delas e de cada um de nós. E cada um cumprindo a sua própria missão.
"É necessário que a gente pense para o futuro da Uesc que a estrutura física não está concluída. Precisa continuar para exatamente dar o fundamento para que as atividades se realizem. Por outro lado, os 33 cursos que temos, o número de vagas oferecidos à comunidade são insuficientes para atender tanto em diversidade de oportunidade quanto em quantitativo."
É preciso também adequar a universidade às novas vocações oferecidas pelos governos ao sul da Bahia?
Os projetos de desenvolvimento colocados pelos governos estadual e federal aqui para a região, como Porto Sul e ferrovia, eles estão em curso. E, se transformando em realidade, eles alteram substancialmente as demandas da região tanto na formação de pessoas – e é o papel priomordial da universiadade – como também do desenvolvimento e socialização do conhecimento.
Então a resposta é "sim".
Se adequar a esta nova vocação regional será nossa prioridade. O que justifica a existência de uma universidade é o atendimento às demandas para o desenvolvimento da região. E é isso que faz com que uma universidade tenha uma ligação com o seu entorno. É claro que sempre respeitando outras condições. A universidade não se volta somente para a sua região imediata. Ela funciona também para o mundo, para fronteiras mais alargadas. Mas é importante que ela mantenha um vínculo de díálogo e a troca de fazeres  com a sua territorialidade imediata.
"Em 20 anos muito fizemos. Mas estávamos sozinhos enquanto instituição pública. Hoje isso não é mais uma realidade. Então é necessário desenvolver os mecanismos de diáologo e interlocução com as outras instituições existentes, sempre no sentido de aumentar a potencialidade de cada uma delas e de cada um de nós. E cada um cumprindo a sua própria missão."
É comum as pessoas que estão do lado de fora da Uesc, criticarem a postura pouco participativa da universidade nos embates e nos processos de desenvolvimento regional A Uesc é pouco participativa ou as pessoas são desinformadas?
Acho que temos um papel, uma ação política concreta a fazer em torno da visibilidade daquilo que a universidade produz. É preciso deixar tudo isso bastante claro e transparente para a comunidade regional. Mas também aprofundar a participação e a integração com os movimentos sociais, com a sociedade civil organizada e no fomento às discussão e reflexões das grandes temáticas regionais. Apesar da comunidade em alguns momentos falar em pouca participação da Uesc, posso dizer que por diversas vezes tive oportunidade, estando presente em fóruns importantes, a fazer a pergunta: quantos aqui foram formados pela Uesc? E posso te garantir: eles são em grande maioria. As lideranças, boa parte das lideranças políticas, empresariais e culturais deste região foram formadas pela Fespi e pela Uesc. Então o nosso papel de formação de pessoas nesta região ele sempre foi muito bem cumprido.
E por que as pessoas não percebem claramente isso?
Por outro lado temos desenvolvimento de projetos de pesquisa, extensão que se voltam para a região. Mas eles precisam ser integrados. Isso é verdade. Se a gente pensar o Salobrinho, por exemplo. A universidade tem muitos serviços prestados ao Salobrinho. O curso de Medicina foi implantado em 2001. Desde 2001 que temos a todo tempo, 20 estudantes nossos no Salobrinho. Nunca deixou de ter. Mas é importante integrar com outras ações na área de educação, de formação de pessoas, capacitação, na aproximação com a Associação de Moradores. Então integrar e dar visibilidade vão certamente agregar valor àquilo que já fazemos.
"A universidade não se volta somente para a sua região imediata. Ela funciona também para o mundo, para fronteiras mais alargadas. Mas é importante que ela mantenha um vínculo de díálogo e a troca de fazeres  com a sua territorialidade imediata."
Nos últimos 20 anos a universidade ficou mais jovem. Deixou de ter um aluno com média de idade superior a 30 anos e hoje os estudantes estão cada vez mais jovens na graduação. Lidar com pessoas mais jovens e, teoricamente, mais imaturas, torna a administração da universidade mais complexa?
Faz parte da diversidade que é muito positiva para uma universidade. Então esse movimento de pessoas mais jovens tanto atinge o corpo de estudantes quanto o corpo docente e de funcionários. O jovem tem a característica de ser mais inquieto, de buscar soluções mais rápidas. Isso modifica a forma como eles se colocam em seus fóruns de participação aqui na universidade. Mas não diria que torna mais difícil. O jovem, por ser inquieto, por ser mais livre e ter menos amarras marcadas pelos limites sociais ele é um parceiro que nos oferece condições para uma melhor reflexão, para modificação de estrutura. Isso é muito bom para a Uesc.
A Uesc também teria perdido a sua identidade regional quando passou a ter 80 por cento dos seus professores de outras regiões do Brasil e do exterior?
A grande maioria dos nosso estudantes são da Bahia. Com relação aos professores, acho que essa pluraridade enriquece a universidade. Pessoas formadas em diferentes lugares, que trazem diferentes valores, diferentes formações científicas, acadêmicas, diferentes vivências. Isso traz a diversidade para dentro da universidade e contribuiu para a sua riqueza. Por que a riqueza de uma universidade se faz a partir das pessoas que aqui estão e de como produzem. E é um valor positvo no que diz respeito a construção da identidade da instituição. Sempre será positivo. A Uesc jamais deixará de ter na sua história a Fespi, as três faculdades isoladas – uma de Ilhéus e duas de Itabuna – como não deixará de ter em seu entorno a Mata Atlântica, a Capitania Hereditária, a cultura dos coronéis. Isso é constitutivo na identidade da universdade. Mas é bom lembrar que até mesmo uma identidade pessoal ela se modifica ao longo do tempo, com novas experiências, novas vivências. E assim também é com a universidade. Ela amadurece, consolida estruturas e constrói e reconstrói a sua identidade.
"Apesar da comunidade em alguns momentos falar em pouca participação da Uesc, posso dizer que por diversas vezes tive oportunidade, estando presente em fóruns importantes, de fazer a pergunta: quantos aqui foram formados pela Uesc? E posso te garantir: eles são em grande maioria. "
Qual é, na opinião da senhora, o grande desafio como reitora da Uesc?
Fazer uma interlocução política interna e externa. Apesar de já ter mencionado nesta entrevista algumas situações necessárias, também temos no contexto externo a proposta de apresentar um Projeto de Lei à Assembléia Legislativa da Bahia de autoronima administrativa-financeira para as universidades. É uma outra forma de funcionamento que passaremos a ter. Impõe outras responsabilidades administrativas e fiscal e impõe à universidade uma discussão – que precisa ser muito responsável – em torno da sua sustentabilidade financeira. Esses desafios são importantes ao lado da estruturação e qualidade da estrutura física, civil e equipamento, com o envolvimento da comunidade acadêmica na responsabilização daquilo que universidade é como resultado do trabalho dos que aqui estão.
"A pluraridade (de professores) enriquece a universidade. Pessoas formadas em diferentes lugares, que trazem diferentes valores, diferentes formações científicas, acadêmicas, diferentes vivências. Isso traz a diversidade para dentro da universidade e contribuiu para a sua riqueza. Por que a riqueza de uma universidade se faz a partir das pessoas que aqui estão e de como elas produzem."
As mulheres estão mesmo em alta neste País...
... Nossa região foi feita tradicionalmente de homens. A cultura do cacau, do coronelismo, sempre foi focada e centrada nos coronéis. Não havia mulher entre os coronéis. Havia o papel da "senhora". Não é assim? Então sair vencedora do pleito das eleições para a universidade, sendo uma mulher, me traz enorme responsabilidade daquilo que temos para fazer. Como culturalmente há uma expectativa em torno do desenvolvimernto das funções domésticas, do lar, da família, mas também do trabalho, entendo que é possível desempenhar todas as funções com equilibrio, mantendo a satisfação pessoal. Sabendo que é possível de forma equibrada dar conta de todas as funções a que estou me propondo. A mulher é mais cuidadora que o homem. São desafios que tenho e assumo no desempenho do meu trabalho e nas minhas atividades como mãe, filha e esposa.
"Nossa região foi feita tradicionalmente de homens. A cultura do cacau, do coronelismo, sempre foi focada e centrada nos coronéis. Não havia mulher entre os coronéis. Havia o papel da "senhora". Não é assim? Então sair vencedora do pleito das eleições para a universidade, sendo uma mulher, me traz enorme responsabilidade daquilo que temos para fazer."
Percebe-se também que a mulher mais poderosa do sul da Bahia fala pausadamente, não levanta a voz nem quando provocada...
(Sorri) ... É resultado do acúmulo de vivências. Não só na área de educação como também na condição de profissional da saúde, trabalhando em comunidades, que nem sempre têm a mesma linguagem ou forma de comunicação. Mas se por um lado falar pausadamente traz a vinculação, a idéia de docilidade – que é importante – também não deixa dúvida do reconhecimento que tenho da necessidade da firmeza de decisões, da firmeza de manunteção de posições sempre que necessária. A defesa de uma universidade pública, com a história e a identidade que a Uesc tem, me dá a responsabilidade de me manter desta forma, mas com posição sempre firme, clara, no sentido de levar à Uesc rumo a uma universidade de excelência.

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