segunda-feira, 23 de maio de 2011

O grau mais alto da capacidade humana

O Inspetor Geral - sai o prefeito, entra o vice

Romualdo Lisboa* 
Em meados de 2007, Ilhéus, cidade do Sul da Bahia, passava por um momento histórico bastante incomum: o povo saiu às ruas para exigir a renúncia do Prefeito, que implantou “um mar de lama” na máquina administrativa municipal. O que esse fato tem a ver com um grupo de teatro? É que no final de 2006, o Teatro Popular de Ilhéus estreou um espetáculo que ganhou os bairros, distritos, espaços culturais, associações de moradores, Igrejas, terreiros de candomblé... Teodorico Majestade – as últimas horas de um Prefeito foi uma exigência do público que frequenta a Casa dos Artistas - sede do grupo e espaço cultural de grande importância para o movimento artístico da região. A montagem nasceu de uma necessidade urgente de dialogar com a sociedade sobre seu papel diante dos fatos que estampavam as primeiras páginas dos jornais.

Mas, para além do discurso político, do enfrentamento de problemas sociais o Teatro Popular de Ilhéus traz em seu Teodorico uma postura estética que privilegia a cultura popular em suas manifestações, ressaltando o protagonismo das comunidades afastadas do “Centro”, mas que formam os “outros centros”. E foi de bairro em bairro, de apresentações seguidas de debates sobre cidadania, que um movimento foi tomando conta das ruas, chegou à Câmara de Vereadores e inflamou uma cidade a dizer não à corrupção. E o Prefeito foi afastado. 
Agora, Ilhéus se vê num momento “glorioso”. Os Governos Federal, Estadual e Municipal, anunciam um projeto de desenvolvimento milagroso para a cidade. Será construído um Complexo Intermodal de onde sairão nosso minério de ferro e outras matérias-primas para os países economicamente “desenvolvidos”. Como já disse Tom Zé: “exportar matéria-prima é o grau mais baixo da capacidade humana”. Mas, é preciso gerar emprego, renda... Ordem e Progresso, meu povo! O que esse fato tem a ver com um grupo de teatro? Desde o início da implantação deste projeto, a sede do Teatro Popular de Ilhéus se constituiu em espaço de debate constante sobre o modelo de desenvolvimento imposto pelos governos. Daí, surgiu a Opereta Porto Sul – Artimanha do Mal, um espetáculo que tomou as ruas na tentativa de dialogar com o público sobre o assunto. O grupo se juntou a outras organizações da sociedade civil que exigem do Ministério Público uma postura mais enérgica diante dos desmandos governamentais em busca de investimentos estrangeiros. 
Agora estamos aqui, em São Paulo, em vias de estrear nosso novo espetáculo “O inspetor geral”. Que apresenta os últimos acontecimentos políticos de Ilhéus, os conchavos, as falcatruas, tudo transformado em literatura de cordel e teatro popular. Um projeto audacioso do SESI-SP, que traz à Capital paulista, anualmente grupos de teatro de todos os cantos do Brasil para dialogar com o público e artistas paulistanos. Na última semana, estivemos junto com outros grupos participando da VI Mostra Latino-Americana de Teatro, interagindo e recriando a nossa arte a cada espetáculo. Quão parecidas são as nossas lutas, hermanos latino-americanos. Vê-los, ouvi-los e experimentá-los é como estar diante de um espelho, poderoso e colorido. Teodorico Majestade foi apresentado pela primeira vez em São Paulo. Parece até uma resposta aos governos e suas matérias-primas. É que estamos todos nós “exportando arte”, e também segundo Tom Zé, este é “o grau mais alto da capacidade humana”. 

*Romualdo Lisboa é diretor teatral, um dos fundadores do Teatro Popular de Ilhéus.

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