segunda-feira, 9 de maio de 2011

"O Brasil sem miséria será um programa de bem-estar social"

(Entrevista MSN Notícias) 
 "Parceria.Tereza Campello e Ana Fonseca:
depois de participarem da coordenação do
Bolsa Família, agora são responsáveis pela
articulação do Brasil Sem Miséria" 
Ao definir na semana passada que famílias com renda mensal de até R$ 70 per capita constituirão o público-alvo do programa Brasil Sem Miséria, a ser anunciado nos próximos dias, o governo provocou uma polêmica entre economistas e estudiosos de questões sociais sobre os critérios que utiliza para definir o que seja extrema pobreza. Consultados pelo Estado, alguns elogiaram a opção por um valor acima do utilizado pelo Banco Mundial, de US$ 1,25 ao dia - o que daria hoje cerca de R$ 60/mês. Mas também se disse que o valor estabelecido é inferior ao estabelecido no Programa Bolsa Família - o que teria reduzido o número de famílias consideradas extremamente pobres e facilitado o cumprimento da promessa eleitoral da presidente Dilma Rousseff de acabar com a extrema miséria no País. 
Em entrevista ao Estado, as duas articuladoras do novo programa, a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, e a secretária extraordinária para a Erradicação da Pobreza, Ana Fonseca, explicam como o governo definiu o valor de R$ 70, que abrange 16,2 milhões de brasileiros, e também adiantam detalhes do Brasil Sem Miséria. O conceito principal, dizem, é permitir que a parcela mais pobre da população possa aproveitar oportunidades de emprego e de melhoria de renda que surgem no País. 
Elas enfatizam as diferenças do plano em relação ao Bolsa Família e antecipam que o Ministério da Saúde, por intermédio do Programa Saúde da Família, ajudará na localização dos pobres, enquanto a Embrapa, por exemplo, fornecerá sementes de qualidade para assentados no campo. 
Como recebem as críticas sobre a linha de corte adotado pelo governo para definir a extrema pobreza? 
Tereza Campello. As pessoas se equivocam ao dizer que estabelecemos critérios diferentes do Bolsa Família. Não levam em conta que esse programa tem duas linhas de corte, em vigor desde 2003: uma para a extrema pobreza, de R$ 70 per capita, e outra para a pobreza, de R$ 140. Esses dois recortes também fixam benefícios diferenciados. As famílias extremamente pobres recebem, além do benefício fixo, parcelas variáveis correspondentes ao número de filhos - crianças e adolescentes. Não se pode confundir o que a família recebe com os valores de linha de elegibilidade para o programa. Ao contrário do que se diz, portanto, nós ficamos dentro daquilo que já está estabelecido no Bolsa Família, o que ajuda a simplificar o debate e o acompanhamento do novo programa. 
Ana Fonseca. Ouvimos muitos pesquisadores e especialistas. As opiniões são muito variadas. Alguns chegam a trabalhar com 25 linhas de pobreza. Também olhamos as experiências internacionais. Todas essas conversas e análises foram levadas em conta quando definimos os R$ 70, que vão funcionar como uma bússola, um radar para a localização de outras manifestações da pobreza e a sua territorialização. 
Embora o governo não tenha anunciado detalhes do plano, se diz que o maior desafio será chegar a grupos extremamente pobres, que vivem à margem dos serviços oferecidos pelo Estado. 
Tereza. Esse desafio é muito grande. Para enfrentá-lo temos realizado reuniões bilaterais com os ministérios, como Saúde, Educação, Desenvolvimento Agrário. Está sendo montado um termo de colaboração com Ministério da Saúde, por exemplo, que ajudará na identificação das famílias extremamente pobres. Quando um agente comunitário do Programa Saúde da Família localizar uma pessoa idosa que tem direito a aposentadoria, mas não recebe, enviará a informação ao Ministério da Saúde, que a repassará ao sistema de referência do Desenvolvimento Social. 
Outro desafio serão as diferenças regionais. Receber R$ 70 em SP é diferente de receber o mesmo no Nordeste. 
Tereza. O setor público não pode montar um programa absolutamente complexo, com dezenas de linhas diferenciadas para cada cidade e região. Seria caríssimo e difícil de ser compreendido, monitorado, construído. Mas também não se pode adotar uma linha única para todo o Brasil, sem considerar as desigualdades regionais. É por causa disso que já estamos conversando com prefeitos e especialmente os governadores. A proposta é compensar as diferenças regionais com ações complementares dos governos estaduais. A conversa já está bem adiantada com o Rio e vamos conversar agora com São Paulo e outros Estados. Já se sabe que na conversa com a Bahia a questão do acesso à água para beber terá um peso grande na agenda, enquanto no Rio a ênfase será na suplementação da renda do Bolsa Família. Não queremos um programa pasteurizado e único, porque a pobreza no Brasil tem diferentes caras e necessidades. 
Não será, portanto, um programa que tratará só de renda. 
Tereza. Após termos feito o recorte e identificado os 16,2 milhões de pessoas mais pobres, também verificamos que elas são as que têm mais carência de saúde, de água, energia elétrica, segurança pública. Temos que procurar o atendimento dessas diversas necessidades, além da renda. Temos que pensar o programa de superação da miséria como um programa de bem-estar social. O conceito principal é que temos um Brasil que cresce, oferece mais oportunidades, universaliza serviços e acesso à informação, mas ainda convive com uma parcela da população que não se beneficia de nada disso. Como vamos garantir que essa parcela também tenha acesso às oportunidades de emprego, de inclusão? O Brasil deve crescer reduzindo desigualdades. 
Ana. A energia elétrica está praticamente universalizada. Dos 4 milhões de domicílios onde residem os 16,2 milhões de pessoas extremamente pobres, 92% já têm acesso à energia elétrica. Mas ainda tem um grupo de 8% que não tem. São 306 mil domicílios, dos quais 148 mil estão no Nordeste e 115 mil na Região Norte. São pessoas que ainda não chegaram ao século 20, embora já estejamos no século 21. Com eletricidade podem produzir mais, consumir melhor, melhorar o bem-estar. 
Como veem as críticas de que o Bolsa Família acomoda as pessoas e não oferece portas de saída? O novo programa seria uma resposta a isso? 
Ana. Essa acomodação não existe. Se olharmos o público em situação de extrema pobreza, veremos que 56% deles têm no máximo até 19 anos de idade. Não queremos que essa população vá logo para o trabalho. O que devemos oferecer aos jovens é sobretudo educação de qualidade, para que tenham melhores oportunidades que seus pais. 
E quanto à outra metade? 
Ana. Entre os que compõem a outra metade, em idade economicamente ativa, 77% trabalham. O problema delas é que, mesmo trabalhando muito, não conseguem renda suficiente para sustentar a família de forma digna. Vivem de trabalhos precários, não formalizados, sem qualificação profissional, fazendo bicos, sendo exploradas. Por isso precisam de uma complementação de renda. Muitas delas têm um grau de escolaridade tão baixo que não conseguem sequer fazer uma entrevista de trabalho adequada. O nosso trabalho será ajudar essas pessoas a melhorar suas capacidades. 
Como deve ser tratada a questão dos pobres da zona rural, dos assentamentos da reforma agrária? 
Tereza. Teremos rotas diferentes para tratar da inclusão produtiva na cidade e no campo. A escolaridade no campo é baixíssima, mas, por outro lado, as pessoas têm seu meio de produção, que é a terra. Vamos potencializar esse meio, facilitando o acesso à informação e à assistência técnica. Estamos trabalhando com o apoio do Ministério da Agricultura, da CONAB e, sobretudo, da Embrapa, que talvez seja a instituição mais importante do mundo nessa área. Posso adiantar que a Embrapa vai fornecer sementes de qualidade para essa população. Queremos que eles melhorem a produção com o que existe de melhor no mundo em termos de agricultura tropical. Não queremos fazer um programa rebaixado. Como são famílias com pouca terra, a meta é melhorar a produção, garantir a segurança alimentar e também obter excedentes para comercializar. 
De modo objetivo, qual será o avanço do programa Brasil Sem Miséria em relação ao Bolsa Família? 
Tereza. O Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda do mundo. O Brasil Sem Miséria vai levar ao conjunto de famílias do Bolsa Família outras ações, serviços públicos que não chegam a elas ou, quando chegam, não têm a qualidade que deveriam. O Brasil Sem Miséria tem uma agenda de oportunidades e de inclusão produtiva, não só de transferência de renda. 
Ana. O Bolsa Família faz parte do Brasil Sem Miséria, que é mais largo, tem mais políticas públicas integradas, procurando a ampliação do bem-estar social. 
É factível mudar a vida de 16,2 milhões de pessoas até 2014? 
Tereza. A meta é viável, desde que se trabalhe de forma integrada os três eixos principais do programa: transferência de renda, acesso a serviços e ao que chamamos de inclusão produtiva. Não estamos fazendo um chamamento para que esses 16,2 milhões cheguem ao governo. Queremos que o Estado vá atrás dessa população. O Estado brasileiro, com Estados e municípios, fará um esforço para levar os serviços públicos e as oportunidades até essas famílias, procurar as que ainda não estão nos programas de transferência de renda e têm o direito a serem incluídas no cadastro único. 

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